Algumas impressões sobre Memórias de Um Leitor de Poesia e Outros Ensaios
Ao poeta Antonio Carlos Secchin:
Há tempos estive visitando a editora Topbooks e tive a honra
de receber do querido amigo e editor José Mario Pereira, o seu livro MEMÓRIAS
DE UM LEITOR DE POESIA. O livro ficou alguns dias em minha escrivaninha, mas
logo que o peguei em minhas mãos comecei a ler com inusitado prazer. Talvez
porque em cada página que lia via antes um poeta falando de outros poetas, com
paixão de alguém que sempre se maravilha quando descobre em algum baú perdido
no tempo, um verso também perdido, desgarrado e fora da mística do livro e da
história. Valendo aqui a citação do poeta Ricardo Silvestrin: “é no livro que o
autor está enterrado vivo”. Isto é messiânico. Inefável, como diria Rilke.
Mas não vim até a sua presença para fazer qualquer juízo
crítico de seu livro, pois para isto falta-me talento e arte. Para falar sobre
seu livro mister seria escrever outro livro, na medida em que nele tantas
circunstâncias do fazer poético são analisados, com serenidade, sensibilidade e
conhecimento. No entanto, peço a sua liberdade para externar algumas impressões
que mais me chamaram a atenção. Começo citando afirmações suas que estão no
livro:
“Literatura é linguagem levada ao extremo”. “O poeta é um
operário da linguagem”. “O poema sabe mais do que o poeta”. “Precisamos
descobrir a quarta margem”.
E tomo a liberdade também de citar Drummond: “E como ficou
chato ser moderno, agora serei eterno”.
Realmente o poeta, como operário do canto, tem que suar e se
aprimorar na linguagem, numa busca constante, até à exaustão. E como você
afirma em seu livro, é conhecendo todas as épocas históricas e formais da
literatura que podemos tentar um caminho próprio. Ao mesmo tempo temos de tomar
o cuidado para não sermos prisioneiros da própria forma limitadora do poema.
Antes de tudo, o poema é um pássaro e precisa de espaço livre para voar.
Álvares de Azevedo, depois de adquirir depurada linguagem, até pôde dizer:
“Odeio o pó que deixa a lima”. Na maturidade da linguagem o voo é livre,
criador, valendo a sua afirmação: “O poema sabe mais do que o poeta”. E essa
dualidade entre forma e voo, creio, encontra-se expressa neste verso de seu
belo poema Biografia: “o poema vai nascendo, pombo de pluma e granito”. O voo da pluma, da poesia, em seu estado latente,
escondida no DNA do universo. Granito, o poema, como pedra bruta lapidada.
Linguagem. Espaço concreto e encontrado da poesia.
Em parte de uma entrevista você afirmou:
“Não é possível ficar imune aos signos da globalização da cultura”.
Esse é o grande desafio. E nesse desafio cabe aos poetas encontrar a quarta
margem. E ainda, muito feliz sua afirmação, na qual me filio completamente:
“Gosto de me alinhar com os desalinhados, os que não têm fórmulas para salvar a
poesia, os que experimentam por necessidade e não por alinhamento grupal, os
que não desclassificam a priori um poema pelo fato de ele vir em verso livre ou
regular”.
Finalmente, gostei quando o crítico Antonio Carlos Secchin
fala do poeta Antonio Carlos Secchin. Senti grande maturidade do poeta na
leitura dos poemas: Biografia, com a imagem original do final do poema; do
interessante poema Colóquio; Paisagem que comove pela luz e objetos de um mundo
presente, e da bela imagem “Há um pássaro parado na garganta de Carmen”, em
Aire, e do belíssimo Autorretrato. O poeta fala alto. É pássaro encantado.