segunda-feira, 18 de agosto de 2014

ELY VIEITEZ BIOGRAFA POETICAMENTE O ESCRITOR ANTONIO VENTURA

O MENINO E O GUARDADOR DE ABISMOS
(*)Ely Vieitez Lisboa

Conheci, há muitos anos, o Menino. Ele era diferente, meio solitário, cismarento e fascinado com as palavras. Quando ouvia um termo novo, que ele desconhecia, ficava de olhos meio parados, sonhando. Ali nascia o Catador de Palavras e ele as amealhava como um tesouro.

Muito jovem ainda, iniciado nas leituras de grandes poetas, ele começou a produzir seus primeiros poemas. Algum tempo depois era um Poeta. Aí começou a lenda. Participava de todos os concursos literários na época e ganhava sempre.

Na biografia dos poetas, há uma dicotomia entre o cidadão, com CPF, RG e o poeta. Quando se lê um belo poema do Mago de Itabira, não é fácil lembrar do autor, como personagem poética e do cidadão civil, funcionário público, casado, pai. Parecem duas criaturas diversas, irreconciliáveis.

Nisso também, a história do jovem poeta de Ribeirão Preto, é pitoresca. Na juventude, ele, bonito como um príncipe, cabelos nos ombros, um romântico de outras eras, ousou viver de poesia. Perambulava pelas portas dos teatros, em São Paulo e, a partir de 1972, no Rio de Janeiro, vendendo seus poemas mimeografados, vivendo quase de brisa, mas participando ativamente da vida cultural da época.

Um dia, o cidadão reclamou seus direitos. E nosso poeta cortou os cabelos, ingressou no sistema. Casou-se, vieram os filhos. Prestou concursos, trabalhou nos Correios, alçou cargos importantes. Mas ele queria mais. Estudou muito e chegou a Juiz, em 1991. Quando eu soube da novidade, escrevi um artigo para ele. Morrera nosso Poeta? Felizmente não. Foi para Mococa, fundou o Grupo Início de Poetas, continuou conciliando as duas vidas, então ao lado de sua Musa, Débora Soares Perucello Ventura. Em 2011 publicou O Catador de Palavras, com enorme sucesso, hoje é membro da ARL (Academia Ribeirãopretana de Letras) e da União Brasileira de Escritores. O Guardador de Abismos, Ed. Topbooks, 2014, segundo livro de nosso Poeta é surpreendente. Traz o precioso prólogo de Carlos Nejar, da ABL, orelhas, contracapa com citações excelentes de autores famosos, tudo valorizando a obra que, realmente, tem fascinado os leitores. Aparentemente são textos em prosa e alguns poemas. Há que se enfatizar, contudo, uma característica marcante: Em O Guardador, é o poeta amadurecido, enfrentando bravamente a crueza da realidade, mas sem perder a esperança, a alegria, em uma metafísica lispectoriana.

O que valoriza, sobremaneira, a obra O Guardador de Abismos, sabiamente citado pelo grande Carlos Nejar é o conceito feliz de “prosopoema” ou prosa poética. Impossível, nos textos de Antônio Ventura, conceituar exatamente o que é prosa ou poema, tudo ungido do mais puro lirismo.

Na primeira orelha do livro, Ivan Junqueira, da ABL, cita algo que enobrece O Guardador de Abismos, de A.V: “Assim como ocorre nos poemas em prosa, de Baudelaire, percebe-se em O Guardador de Abismos uma nítida despreocupação, seja com o ritmo, seja com a rima, e, ao contrário, uma incessante busca por aqueles contrastes que tentam adaptar sua prosa “aos movimentos líricos da alma” e “as ondulações do devaneio”.

Os textos reunidos sob o subtítulo de Minha Bela, para Débora Soares Perucello Ventura, são Cânticos de Amor, que vão muito além da realidade, um sentimento excelso, meio mítico, consubstanciado em um lirismo maior. Mas a vida flui, com sua inexorabilidade “saber é o grande horror”. Diante da lucidez, da qual não se foge, o Amor surge como possibilidade única de realização.

No final, os poemas dedicados aos filhos são muito belos, principalmente o de Antônio Perucello Ventura, o jovem poeta: “Cheguei de exaustiva viagem / e estavas dormindo. / Com meus braços/ enlacei teu corpo e ao seu lado dormi. / Igual concha serenando ostra.

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