O poema a seguir está publicado no livro "O guardador de abismos" que será lançado em São Paulo dia 12 de agosto, a partir das 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
Hoje é o dia 24 de maio de
2003, uma hora e trinta minutos. Madrugada. Uma hora e trinta e um minutos. Um
piscar de olhos e já muda o instante. Uma hora e trinta e cinco minutos. Em
quatro minutos o tempo passou e nada escrevi. Escrevo isto e já é uma hora e
trinta e seis minutos. Pronto, já é uma hora e trinta e sete minutos. Uma hora
e trinta e oito minutos. Uma hora e trinta e nove minutos. O tempo me persegue
desde a infância. Uma hora e quarenta minutos. O tempo é um rio, já disse algum
poeta. Dizem que a água que corre nunca é a mesma. E nem todo rio é eterno,
apenas eterno enquanto dure. Preciso ultrapassar o tempo, e ser eterno. Eterno
e não apenas a consciência do eterno. Cansado de ser eterno, agora serei
moderno. Uma hora e quarenta e cinco minutos. Já mudou o giro: uma hora e
quarenta e seis minutos. A angústia do minuto a minuto, a caminho do sol da
manhã. Uma hora e quarenta e oito minutos. Tudo é um breve instante e Deus
brinca com as estrelas. Uma hora e quarenta e nove minutos. Uma hora e cinquenta
minutos. Tudo é feito de intervalos de silêncio. Cada segundo pode ser dividido em milhões de partículas, ao
infinito. Madrugada. As crianças dormem. A amada dorme. E tudo é espaço dentro
do tempo impiedoso. Uma hora e cinquenta e dois minutos. Uma hora e cinquenta e
quatro minutos. Estamos presos ao tempo e tudo é uma imensa memória. As aves estão dormindo nas árvores
imensas, na noite. Uma hora e cinquenta e cinco minutos. Uma hora e cinquenta e
seis minutos. E a Terra gira, a caminho do sol. Aqui no ocidente, na rua dos
Flamboyants, número oitenta. Pitágoras dizia que o universo são números. Uma
hora e cinquenta e oito minutos. Ah, mísero escravo do tempo, à procura do
espaço. Duas horas. Mudaram-se os números, na dança da fera. Duas horas e dois
minutos. Duas horas e três minutos. Duas horas e cinco minutos. Duas horas e
seis minutos. E assim, a fera, a fera, nos leva para o sol,nos fere, no meio
dos pássaros, no ocidente, girando a Terra, a caminho do sol, a fera, a fera, a
fera, a fera.
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