Hoje é
dia 14 de abril de 2005, 01h15min. O tempo só passa. Já entrada a madrugada um
cão ladra na noite enorme, o cão enorme ladra, late rouco, qual bicho louco. E
a noite é noite, porque o sol brinca do outro lado do mundo, cheio de sol. Por
enquanto, por aqui na rua dos Flamboyants, número oitenta, é noite, porque a
rua está escura, as ruas estão escuras e um cão vadio late rouco. Na noite. Que
não é dia, porque o sol brinca do outro lado. Estamos condenados à noite, sendo
que o sol brinca do outro lado. Depois o sol vem e todo o mundo acorda e correm
para o nada, correm tanto que chega a noite (porque o sol foi brincar do outro
lado) e então se pergunta, meu Deus, o que fiz eu do dia quotidiano dia, o que
fiz de minha beleza que um dia tentei explicar em palavras? Ah! Não quero
adormecer, porque, se adormeço, ouço logo o relincho de um potro selvagem,
arfante, ofegante, com seus cascos raspando em alguma relva verde. Então Equus
cavalga pela campina branca de luar, e assim esta imagem se repete há milênios,
e até hoje não conhecemos os cavalos, nem seu Deus Equus, nem conhecemos nós
que também há milênios apontamos nossa face na luz do sol, e pensamos que somos
únicas cópias autênticas do universo. Qual o quê!
Ah, vem, ó meu amor que fatalmente dorme,
pensando que a madrugada já é o começo de um dia que se repetirá, o hoje sem
ser hoje acontecendo, como se nada tivessse acontecido. Ah, meu amor, um dia eu
pedi tua mão, pois eu sentia falta dela, como da água da fonte que me faltou.
Por isso é que corri pelas florestas intrincadas, colocando meus ouvidos na
terra, à procura do barulho das invisíveis fontes que percorrem o seio da
terra, que percorrem a grande boceta da terra, geradora de crianças inocentes,
culpadas pelo fato de serem crianças, e serem crianças pelo fato de serem
culpadas pelo pecado original, que ninguém sabe de que origem é, porque se
soubéssemos, seríamos deuses, e a nós só nos foi dada como herança a grande
dúvida do ser, onde nem sabemos se somos. E se somos? Pouco importa para Deus.
Que é. E nem está aí com as crianças, e nem com o vento que tomba os campos de
trigos, tomba os capins coloridos à beira das estradas. Não, meu amor, a nossa
provação é o conhecimento do horror de sabermos que fomos há milênios, mas
estamos estupefatos com o agora, o é, o é.
Antonio Ventura
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