sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O TIGRE

Não sabia mais o que fazer,                                                                                                                        
quando numa manhã de primavera me
atacou. E eu tive, com grande dor e                                                                                                            
lágrimas, que, devagar, devorá-lo”.

Carlos Nejar (Deodoro, o tigre - Contos inefáveis)
                                                                                                                                                             
Nunca criei um tigre. Certo que uma vez ofereceram-me um filhote para que eu o criasse. Mas tive medo. Todos sabem que um tigre é um tigre,  ninguém brinca com sua consciência felina e seu instinto poderoso de felino, sem correr risco de perder a vida. Por isso disse não, que não poderia criar aquele filhote de tigre, que, não obstante, de tão pequeno parecia inofensivo. Pequena pantera rajada. Quase um brinquedo.

Nunca criei um tigre. Mesmo porque tigre é animal selvagem, o certo é ele ficar bem dentro da selva, onde encontra sua caça. Eu não quero ser caça de um tigre, por mais belo e por mais que nos fascinem os intermináveis pontinhos de sua pele e seu olhar observador. Tigre é bom mesmo para nos dar medo, nos perseguir em nossos sonhos, correndo atrás da gente. Nós não sabemos correr na floresta. Ficar à mercê de um tigre livre na selva, nem na imaginação. Sua liberdade é maior que a minha que sucumbe ao tigre e ao vento. E meu corpo pode ficar ali, no chão, na relva, mutilado e ensanguentado, comida de tigre.


Nunca criei um tigre. Mas, e se no tormentoso sonho nos depararmos com o tigre? Sim, se na noite escura vier o tenebroso encontro? Estaremos irremediavelmente perdidos e à mercê de suas garras, ou podemos num simples despertar estalar os dedos e o tigre, como fumaça, sumir de repente?

Nunca  criei um tigre. Mas diz uma lenda que foram criados infinitos tigres e estes foram enviados para habitarem as estrelas, nas esferas mais altas. Dizem que cada pontinho de sua grossa pele amarela e rajada se espalha pelo Universo e chega até a formar as estrelas que cintilam no céu. Amarelas como a imensa pele do tigre.

Nunca criei um tigre. Mas tenho medo de meus sonhos, pois sempre estou lutando com esta fera. Sinto-me frágil, o tigre sempre cercando meu caminho. Mas sempre consigo, no desespero, matar o tigre com uma faca grande, certeira e afiada. Sangro sem piedade seu coração. Muitas vezes chego a cortar sua cabeça. Mas não consigo livrar-me dele, mesmo depois de intermináveis facadas sangrentas que furam e cortam sua pele dura.

Dizem também que de certa feita um homem sonhou com o Paraíso, e colheu dele uma flor. Quando acordou, a flor estava ao seu lado, em cima de sua cama. Mas meu medo maior é sonhar com o Paraíso e encontrar a intrincada floresta e o rajado tigre, de enormes presas afiadas, e, quando acordar, ao meu lado me deparar com o mesmo tigre, e eu, e o tigre, e não saber nunca mais quem é o homem e quem é o tigre.

 


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