Não
sabia mais o que fazer,
quando numa manhã de primavera
me
atacou. E eu tive, com grande
dor e
lágrimas, que, devagar,
devorá-lo”.
Carlos Nejar (Deodoro, o tigre - Contos inefáveis)
Nunca criei um tigre. Certo que uma vez ofereceram-me um filhote para que eu o criasse. Mas tive medo. Todos sabem que um tigre é um tigre, ninguém brinca com sua consciência felina e seu instinto poderoso de felino, sem correr risco de perder a vida. Por isso disse não, que não poderia criar aquele filhote de tigre, que, não obstante, de tão pequeno parecia inofensivo. Pequena pantera rajada. Quase um brinquedo.
Nunca criei um tigre. Certo que uma vez ofereceram-me um filhote para que eu o criasse. Mas tive medo. Todos sabem que um tigre é um tigre, ninguém brinca com sua consciência felina e seu instinto poderoso de felino, sem correr risco de perder a vida. Por isso disse não, que não poderia criar aquele filhote de tigre, que, não obstante, de tão pequeno parecia inofensivo. Pequena pantera rajada. Quase um brinquedo.
Nunca
criei um tigre. Mesmo porque tigre é animal selvagem, o certo é ele ficar bem
dentro da selva, onde encontra sua caça. Eu não quero ser caça de um tigre, por
mais belo e por mais que nos fascinem os intermináveis pontinhos de sua pele e
seu olhar observador. Tigre é bom mesmo para nos dar medo, nos perseguir em
nossos sonhos, correndo atrás da gente. Nós não sabemos
correr na floresta. Ficar à mercê de um tigre livre na selva, nem na
imaginação. Sua liberdade é maior que a minha que sucumbe ao tigre e ao vento.
E meu corpo pode ficar ali, no chão, na relva, mutilado e ensanguentado, comida
de tigre.
Nunca
criei um tigre. Mas, e se no tormentoso sonho nos depararmos com o tigre? Sim,
se na noite escura vier o tenebroso encontro? Estaremos irremediavelmente
perdidos e à mercê de suas garras, ou podemos num simples despertar estalar os
dedos e o tigre, como fumaça, sumir de repente?
Nunca criei
um tigre. Mas diz uma lenda que foram criados infinitos tigres e estes foram
enviados para habitarem as estrelas, nas esferas mais altas. Dizem que cada
pontinho de sua grossa pele amarela e rajada se espalha pelo Universo e chega
até a formar as estrelas que cintilam no céu. Amarelas como a imensa pele do
tigre.
Nunca
criei um tigre. Mas tenho medo de meus sonhos, pois sempre estou lutando com
esta fera. Sinto-me frágil, o tigre sempre cercando meu caminho. Mas sempre
consigo, no desespero, matar o tigre com uma faca grande, certeira e afiada.
Sangro sem piedade seu coração. Muitas vezes chego a cortar sua cabeça. Mas não
consigo livrar-me dele, mesmo depois de intermináveis facadas sangrentas que
furam e cortam sua pele dura.
Dizem
também que de certa feita um homem sonhou com o Paraíso, e colheu dele uma
flor. Quando acordou, a flor estava ao seu lado, em cima de sua cama. Mas meu
medo maior é sonhar com o Paraíso e encontrar a intrincada floresta e o rajado
tigre, de enormes presas afiadas, e, quando acordar, ao meu lado me deparar com
o mesmo tigre, e eu, e o tigre, e não saber nunca mais quem é o homem e quem é
o tigre.
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