O
vento passa pelo meu corpo e agita as folhas da pequena árvore. Estou na
América do Sul de frente ao Atlântico. Vem dos canais um cheiro forte de peixes
e moluscos e o mar traz a meus pés suas vítimas e seus despojos. Creio que hoje
ela não poderá vir ao encontro e que eu não poderei afundar minha cara no sol
que habita seu corpo. Aceito o verde que canta no mar porque não sei realmente
o que fazer de suas vítimas. Praia Grande: no fim da Avenida. De repente,
enfrento o mar mais fundo, porque nele eu vejo a imagem primitiva de meu sonho.
Do sonho mais profundo que tenho medo. Mas creio que hoje ela não poderá vir ao
encontro.
O
sol contorna o mundo e nem parece que é a Terra em seu movimento de rotação.
Milhares de crianças, mulheres, e homens de todas as espécies, moças, virgens e
semi-virgens, povoam os limites da praia, esta terra de ninguém. A tarde
continua serena e o mar em seu interminável ofício. Hoje ela voltará para São
Paulo e sinto uma dor antecipada de tudo que fomos ontem. Contudo meu coração está
sereno. A boca enche-se de areias que a gente mastiga, as crianças crescem seus
cabelos. Nus: cairemos na água e no sal. Nus: conheceremos os peixes, os
anfíbios, as aves aquáticas e os animais rastejantes que há milhares de anos
abordaram as terras. Nus: caminharemos ainda sob este sol estrangeiro. Nus: nos
vestiremos de algas marinhas. Nus: mastigaremos nossos dentes, dilaceraremos
nossas mãos, nosso corpo. Nus: esperaremos ainda que os peixes saiam das águas.
Nus – completamente nus sairemos desta praia, destas águas, como quem sai de
uma catástrofe!
Nunca,
mulher alguma me fitou com os olhos cheios de sol, mas creio que hoje ela não
poderá vir ao encontro. Mas uma alegria toma conta de minha alma gentil,
principalmente porque estou na América do Sul, de frente ao Atlântico. Se ela
ainda chegar, faremos amor entre arbustos, entre folhagem úmida, entre lodo e
musgos, entre algas, entre catástrofes. Entre o amor maior, entre a origem e
entre as maldições, não seremos culpados, simplesmente os mais belos e
trágicos, porque ele guarda em seu coração nossos sonhos mais profundos. Por
milhares de anos ele invadirá apenas seus limites. Continua a vir dos canais um
cheiro forte. O dia assassinado escurece no fim da avenida e num minuto será
noite. Não serei eu quem tocará a trombeta do apocalípse. Apenas sei que ainda
hoje ela tocará meus ombros e terei a certeza absoluta de que passarei por cima
dos peixes.
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