quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O CATADOR, POR CARLOS NEJAR


Antonio Ventura, o catador de palavras

Por Carlos Nejar*


Pouco se sabe sobre Antonio Ventura, salvo que é natural de Ribeirão Preto, onde cresceu e se formou e é juiz de Direito. Mas, como Rimbaud, "sentou a beleza nos seus joelhos" e é inevitavelmente poeta, caudaloso, irreverente, com acento surrealista. Observou alguém que a biografia de um poeta é seu canto. E este poeta que traz Ventura consigo, como quem traz a poesia, revela na explosão de ritmos um sotaque pessoal. Embora caminhe dentro de uma tradição — a de "ser absolutamente moderno", mantém inalienável entonação, a marca do que carrega o fogo de quem se sabe "catador de palavras". E o humilde ato de apanhá-las carece de um poder que as retira do estado de silêncio.


Ademais, caracteriza-se sua poética — não apenas pelo desconhecido, o que se vislumbra no belo poema Paisagem Marítma — Ulisses, também pelo empenho ou fúria de caminhar, vivendo e de viver, caminhando. Ou mais: andar pelas palavras, como seres vivos. "Estou dentro dos limites da poesia/ com uma cerca em volta/ e eu dentro dos limites/ como um animal iluminado/ da cabeça aos pés que de tão terrível/ não pode dizer seu nome (Limites).  Portanto, ao se limitar, se deslimita, com obsessão de "partir sempre e não voltar jamais em idade alguma". Sem esquecer o expressivo texto já mencionado, de Ulisses, com estes versos lapidares: "Penélope, espera, não tenhas tanta pressa/ que estou em toda parte." Isso demarca o homem histórico, o ser em viagem, em que a peripécia é o trunfo sobre o mar, ou destino.

Chama-nos atenção a mescla selvagem entre o contar e celebrar, sendo a metáfora o fio condutor da história, para que seja ultrapassado o esquecimento, enunciando a memória. E é como a poesia ajuda a viver, sem o percalço da erosão do mundo.
E nesta arte de ir catando palavras — passagem da fala para a linguagem — impõe-se a exuberância e riqueza de Antonio Ventura no catálogo multiforme de imagens e símbolos, saído deste arsenal copioso da imaginação. Onde trabalha o insólito:"Certo de que todo anjo é terrível,/ mas todo anjo habita/ um animal/ que se mexe/ e tem asas/ e voa. //(Lembrando um pouco Rilke). Ou este transe lírico: "pois o vento só entende/ as coisas do vento" (Não te preocupes com o vento).

E o que Antonio Ventura não despreza, por ser sua segunda natureza, é o ritmo, a melodia do verso, o remar do poema, que não deixa de nos fazer sentir na respiração do pensamento, a do universo. Com o fôlego das descobertas, ou das "areias brancas como o ar".
Afirmou Machado de Assis, que "o menino é o pai do homem" (repetindo o verso de um poeta romântico inglês), aqui é a poesia, a mãe do menino dentro do poeta, intocado, quase em alma. Porque a única aldeia do coração que não acaba, é a infância. E é apenas ela que inventa a linguagem que nos salva de tudo, da exuberância através do mistério; da vertigem através do abismo. E às vezes dela mesma. Com a consciência que redescobre "a cor da alma". E o requinte sempre da paixão enternecida.

Assim, Antonio Ventura, poeta, resguarda no poema, vigor, criatividade e garra, com a aventura de tanto dizer que seu texto é amor.

Rio de Janeiro, Urca "Casa do Vento", 4 de fevereiro de 2011.
* da Academia Brasileira de Letras
e da Academia Brasileira de Filosofia

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