Escrever qualquer coisa, mas
escrever. Não importa se a tarde é cinza, mas se preciso for, falar sobre a
tarde cinza, de ventilador no teto, de criança tomando banho. Importante é escrever,
sem pensar em nada, apenas cantar a mulher que na tarde dá banho na criança.
Escrever, não apenas sobre a rosa e sobre o amor, mas
também sobre o amor e sobre a rosa e sobre a noite que logo cairá sobre o mundo
e sobre as coisas que existem dentro do tempo e do espaço. Ah, quero cantar,
minha bela, porque há muito que não canto, apenas tenho ficado no canto, qual
anjo torto. Maroto e roto como menino torto, mas roto de alegrias que ainda ressoam
na memória das alegrias que se foram e ficaram impregnadas de tempo de
quintais, de pomar e de laranjeiras. Pomar, minha bela. Cheio de frutas e
insetos. E borboletas, ah, como amei as pequenas borboletas brancas, azuis e
amarelas, quando houve o tempo das borboletas.
E
havia uma estrada de ferro que passava nos fundos da cidade onde habitavam as
borboletas em bando, sobre a folhagem verde que quero verde os campos de meu
pai. Pai! Onde estão teus olhos tristes? Teus olhos que um dia viram a chuva?
Ah, pai, onde estás? Queria que estivesses perto de mim, menino ainda entre
borboletas! Ah, pai, tenho medo do homem do saco, que está sempre nas esquinas
para levar os meninos levados! E eu fui arteiro, meu pai, por isso me protege
do homem do saco. Este teu menino amou demais e buscou no horizonte as espumas do
mar inacessível! Este menino que sempre quis brincar, até com a morte,
carregando em seus braços o escudo do sol. O escudo da claridade das manhãs,
quando os meninos não têm morte, quando os meninos ainda correm atrás dos
pássaros e das borboletas amarelas.
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