Antonio Ventura na posse de Ferreira Gullar na Academia
Brasileira de Letras
Cultura
O poeta Ferreira Gullar (foto) tomou posse na sexta-feira,
5, como membro da Academia Brasileira de Letras, em solenidade no Petit
Trianon, no Rio de Janeiro, passando a ocupar a Cadeira 37, que pertencia ao
poeta e tradutor Ivan Junqueira, morto em julho deste ano.
Convidados para a cerimônia de posse do novo imortal, os
poetas mocoquenses Antonio Ventura, Débora Ventura – que lança livro em 2015 –
e Toninho Ventura (foto) prestigiaram o evento, que lotou o Salão da Academia
Brasileira de Letras.
Bastante emocionado, Antonio Ventura fez o seguinte relato
ao mococa24horas a respeito da posse do poeta maranhense Ferreira Gullar,
considerado um marco da poesia brasileira contemporânea:
“Na noite do dia 5 de dezembro de 2014, estávamos no Rio de
Janeiro, adentrando o prédio da Academia Brasileira de Letras, eu, a Débora e o
jovem poeta Toninho, meu filho, para assistirmos à Solenidade de posse de
Ferreira Gullar a esta entidade. O Petit Trianon já estava completamente lotado
por acadêmicos, escritores, poetas, artistas, jornalistas, políticos, demais
autoridades e populares que em geral prestigiam a literatura.
Foi com alegria inusitada que encontramos no local os
acadêmicos e poetas Carlos Nejar e Antonio Carlos Secchin (foto), dois
prefaciadores de meus livros e do livro da Débora a ser lançado no começo de
2015, com os quais nutrimos amizade afetuosa.
Pontualmente às 21h deu início à Solenidade de posse, o
Presidente Geraldo Holanda Cavalcanti, determinando que os acadêmicos Cícero
Sandroni e Antônio Torres introduzissem ao recinto o neoacadêmico Ferreira
Gullar.
Logo após, Ferreira Gullar foi convidado pelo Presidente a
pronunciar seu discurso de posse, como manda a tradição. Em sua fala,
inicialmente, disse Gullar:
"Aqui estou, feliz da vida, uma vez que, aos 84 anos de
idade, começo uma nova aventura, tomo um rumo inesperado que a algum lugar
desconhecido há de levar-me. Agradeço particularmente a alguns dos membros
atuais que, durante anos, pela amizade que a eles me liga, insistiram
incansavelmente para que me candidatasse à ABL, como Eduardo Portella, José
Sarney, Antônio Carlos Secchin, Cícero Sandroni, Ana Maria Machado, sem contar
os amigos que já se foram, como Antônio Houaiss, Jorge Amado e próprio Ivan
Junqueira, a quem tenho a honra – mas não alegria, nestas condições – de
substituir. Aproveito a ocasião para pedir-lhes desculpas por tanto ter me
esquivado à sua paciente generosidade."
Depois Gullar enumerou e falou sobre as personalidades que o
antecederam na Cadeira de número 37 e do respectivo patrono, Tomás Antônio
Gonzaga, autor do célebre poema Marilia de Dirceu. Depois falou do fundador da
Cadeira, Júlio da Silva Ramos, o primeiro a ocupá-la, e a seguir enumerou os
demais: Getúlio Vargas, Assis Chateaubriand, João Cabral de Melo Neto, e terminou seu discurso citando trecho de poema de Ivan
Junqueira, seu antecessor.
“A luz da lucidez contra a treva do obscurantismo” - A
seguir assumiu a tribuna o acadêmico e poeta Antonio Carlos Secchin, ensaísta e
estudioso da rica obra literária de Ferreira Gullar. Com propriedade falou da
obra e também de Gullar, como amigo e ser humano. Vale a pena destacar trechos do discurso de Secchin:
"Toda vossa trajetória consistiu em perseguir e
projetar esse rastro de luz por onde quer que passastes. A luz da esperança contra a sombria face de um mundo hostil. A luz da alegria contra o
sofrimento. A luz da lucidez contra a treva do obscurantismo. Ao lado do poeta
que sois, convivem o dramaturgo, o ficcionista, o biógrafo, o cronista, o
tradutor, o teórico e crítico de arte, o ensaísta, o artista plástico, o
memorialista."
"Prefiro concentrar-me nos anos mais recentes, marcados
por episódios felizes, como o recebimento da mais alta láurea desta
instituição, o Prêmio Machado de Assis, em 2005; a obtenção do título de Doutor
Honoris Causa, conferido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2010;
no mesmo ano, vossa vitória no Prêmio
Camões; no dia 9 de outubro de 2014,
vossa eleição para a Casa de Gonçalves Dias, chamemo-la assim, em homenagem ao
patrono da cadeira 15 e vosso conterrâneo. "
"Quero louvar a voz de um poeta maior que ingressa na
Academia Brasileira de Letras. Com a tácita concordância de tantos confrades
que lhe sufragaram o nome, despeço-me
com a citação de um verso em que você proclama a vocação agregadora da palavra poética,
convidando a que todos nela se reconheçam. Assim, compartilhando a alegria de
sua chegada a esta Casa, ouso dizer que hoje 'Essa voz somos nós'.”
Sobre Ferreira Gullar – “Ferreira Gullar, cujo nome
verdadeiro é José de Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís do Maranhão, em 10 de
setembro de 1930, numa família de classe média pobre. Dividiu os anos da
infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio
Bacanga. Considera que viveu numa espécie de paraíso tropical e, quando chegou
à adolescência, ficou chocado em ter que tornar-se adulto, e tornou-se poeta.
No começo acreditava que todos os poetas já haviam morrido e
somente depois descobriu que havia muitos deles em sua própria cidade, a
algumas quadras de sua casa. Passou então, já com seus dezoito anos, a
frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero-Recreativo, onde,
aos domingos, havia leitura de poemas.
Descobriu a poesia moderna apenas aos dezenove anos, ao ler
os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado
com esse tipo de poesia e tratou de informar-se, lendo ensaios sobre a nova
poesia. Pouco depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que
tinha anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como
lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita,
passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda,
passarei a pintar com os pés”.
Ou seja, nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a
cada momento. “Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema”,
diria ele mais tarde. E assim nasceu o livro que o lançaria no cenário
literário do país em 1954: A Luta Corporal. Os últimos poemas deste livro
resultam de uma implosão da linguagem poética, e provocariam o surgimento na
literatura brasileira da “poesia concreta”, de que Gullar foi um dos
participantes e, em seguida dissidente, passando a integrar um grupo de
artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro: o grupo neoconcreto.
O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um manifesto
escrito por Gullar, seguido da Teoria do não-objeto, estes dois textos fazem
hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de original e
revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e
Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos.
Gullar, por sua vez, levou suas experiências poéticas ao
limite da expressão, criando o livro-poema e, depois, o poema espacial, e,
finalmente, o poema enterrado. Este consiste em uma sala no subsolo a que se
tem acesso por uma escada; após penetrar no poema, deparamo-nos com um cubo
vermelho; ao levantarmos este cubo, encontramos outro, verde, e sob este ainda
outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra “rejuvenesça”.
O poema enterrado foi a última obra neoconcreta de Gullar,
que afastou-se então do grupo e integrou-se na luta política revolucionária.
Entrou para o partido comunista e passou a escrever poemas sobre política e
participar da luta contra a ditadura militar que havia se implantado no país,
em 1964. Foi processado e preso na Vila Militar. Mais tarde, teve que abandonar
a vida legal, passar à clandestinidade e, depois, ao exílio. Deixou
clandestinamente o país e foi para Moscou, depois para Santiago do Chile, Lima
e Buenos Aires.
Voltou para o Brasil em 1977, quando foi preso e torturado.
Libertado por pressão internacional, voltou a trabalhar na imprensa do Rio de
Janeiro e, depois, como roteirista de televisão.
Durante o exílio em Buenos Aires, Gullar escreveu Poema Sujo
– um longo poema de quase cem páginas – que é considerado a sua obra-prima.
Este poema causou enorme impacto ao ser editado no Brasil e foi um dos fatores
que determinaram a volta do poeta a seu país. Poema Sujo foi traduzido e
publicado em várias línguas e países.
De volta ao Brasil, Gullar publicou, em 1980, Na vertigem do
dia e Toda Poesia, livro que reuniu toda sua produção poética até então. Voltou
a escrever sobre arte na imprensa do Rio e São Paulo, publicando, nesse campo,
dois livros Etapas da arte contemporânea (1985) e Argumentação contra a morte
da arte (1993), onde discute a crise da arte contemporânea.
Outro campo de atuação de Ferreira Gullar é o teatro. Após o
golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro
Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime
autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se
correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? De
volta do exílio, escreveu a peça Um rubi no umbigo, montada pelo Teatro Casa
Grande em 1978.
Mas Gullar afirma que a poesia é sua atividade fundamental.
Em 1987, publicou Barulhos e, em 1999, Muitas Vozes, que recebeu os principais
prêmios de literatura daquele ano. Em 2002, foi indicado para o Prêmio Nobel de
Literatura”, informa em nota a Academia Brasileira de Letras.
(Fotos: divulgação)
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