segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O romance "Carta aos loucos", do poeta Carlos Nejar, ganha destaque na revista Pro-Parnaíba

Carta aos Loucos de Carlos Nejar - Os assombros fantásticos

Por Diego Mendes Sousa

Para Carlos Nejar, a arte é um assombro. Os romances nejarianos são ciclos de leis e imagens inventadas. Sua narrativa é filosófica, impregnada de amplidões poéticas de extremo bom gosto.

Carlos Nejar  utiliza a imaginação para pautar considerações importantes sobre o pensamento humano. Seu Tempo é memória.

Em Carta aos Loucos, lemos um romancista completo, que não deve nada aos humanistas fantásticos ou mágicos, tão alto quanto Juan Rulfo e Gabriel García Márquez.

Criador de Mundos, a ficção de Carlos Nejar  leva a marca da História, o peso dos conhecimentos literários, o jogo místico e a elevação bíblica. Carta aos Loucos  é uma real missiva à inteligência e à grande aventura dos caminhos oníricos.

Contudo, pode a imaginação criar outra imaginação e mais outra, até que Assombro germine e pare o tempo. Não se exilou o homem nem sequer a esperança. E são novas todas as coisas.
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Nem quis ver sua face. Não quero. Choro todos os dias, não li. Que o tempo é matreiro e não darei palmatória à morte. Não me verá o inimigo-tempo chorar diante dele.
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E imaginar é ir destelhando as imagens, desde o sótão. E não há imaginação maior do que ver o céu se desenrolar sobre nossas cabeças. Como se um avental redeasse amoras.
(CARLOS NEJAR - As evoluções de um Gênio)

Não escrevo: risco fósforos, risco a memória como um fósforo na sua pequena caixa. E cada palavra tem sua memória. Riscar palavras é acender a memória.

E não posso riscar uma memória em vez de outra. Nem uma palavra por outra.
- "É circular o mistério do universo"- Assombro falou, fitando o firmamento. E o céu estava aberto como uma laranja cortada na luz.

Devo argumentar porque falo por imagens? Ou por que Assombro calou diante dos gomos cintilando as estrelas? Ou por que tudo estava completo e selado na profundeza da noite?
Não escrevo: risco as imagens no tempo.
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O tempo ia fazendo seus ruídos. E os cidadãos caminhavam pela rua ou praça, à espera de algo. Mais sibilino que o som de uma harpa, junto aos ossos, a epiderme. Ou um vento que desatasse a potestade. E podia não haver o intervalo de respirar o amanhecer.
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Solucei tantas vezes que estou ficando seco. A idade vai secando os sentimentos e reduz o desdém. E fico sem idade.
Se ouso aceitar a redução da esperança, então aprendo com o céu e sua fonte de andorinhas. E só quero que o tempo e os homens me esqueçam.
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1. A palavra é o contorno de Deus. Feri-la é ferir-se.
2. Quem não faz o bem, não faça o mal. Mas já não fazer o bem é deixar que o mal cresça.
3. Aprender cada coisa pelo nome e pegar a essência.
4. Toda palavra é ato.
5. Viver é trocar de abismo
6. Quanto menos ambições, menos demandas. A astúcia é silêncio.
7. O sonho vê com os olhos do que não vê. Não se engana o escondido.
8. Caçar com a razão é caçar com espelhos. Se o sonho é caçador.

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Fiquei olhando o meu cão e ele me olhava. Nossas pupilas se juntavam. Um elo de elos. Desde o primeiro homem que olhava o primeiro cão, Desde o cão que me olhava no primeiro homem. E se falo, são minhas palavras que lhe fixam.
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Não é de meu feitio contar coisas mais íntimas. O amor sabe misteriosamente esconder-se, ou concentrar-se.
Assombro e eu nos atraímos. Nossos corpos se comunicam e entretecem. Um no outro: capizal. Alma que se despe no corpo, corpo em nudez de alma. Arte de entontecer a vida. O amor não desespera. E se me calo, é porque estou inapelavelmente vivo. Também, ali, onde o grito sucumbe.
(CARLOS NEJAR - O maior romancista fabuloso de nosso Tempo)
Sonhou, certa vez, que maduravam morangos, diante de sua casa, junto à relva e eles brotavam rubros, epetitosos.
Sonhou com peixes e Oriondo vinha com uma sacola pesada de peixes. Sonhou com nuvens e elas o seguiram, onde fosse. Um dia se alçou a lépidos e buliçosos sonhos, sem nenhum intermediário. E foi-se tornando um deles, tão reluzente e belo, que perdeu a identidade. Ao ser sonhado por Assombro, acordou.
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As imagens dos sonhos, depois que morremos, continuam vivas, ou se transmudam noutros sonhos, a visitar os que dormem?
Faus, ao se exilar de seu torrão natal e ao renegar a seita dos silenciários, conseguiu sobreviver, frugalmente, em Assombro, quando pôde.
"Mas a roda sempre tece uma armadilha. " Esse verso já era premonição ou advertência do outro eu para si mesmo.
As imagens dos sonhos continuam vivas?
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O que as leis refletem no sonho, ou que o sonho precisa de leis, para não ser pesadelo? E nenhuma norma poderá vedar o sonho de encontrar-se a outro na linguagem. Sonhamos sempre algo a ser vivido no futuro. Ou que o foi, sem que soubéssemos. Sonhar é cair dentro de si mesmo num redemoinho. É informe o caos. O espírito singra a face das águas. Desequilíbrio é amor. E circulares são as rotas das leis, como os atos fundadores do povo. Circular é a colheita do trigo e seu celeiro. Circular, o Oceano. E flutuamos, flutuamos com os sonhos.
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O silêncio foi engolido e a palavra não. Nem os pássaros, as tempestades, os ventos. Como retê-los?
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Quando for escrita a história das imagens, símbolos, metáforas, será avaliada a verdadeira história da fé. Só cremos numa inteligência, a da luz  e não há causalidade no milagre. Mas energia, esplendor. Não giram mais as coisas. E o sonho está olhando pelas novas órbitas. A Palavra me vê e roda, roda: é outra infância.
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Pequeno Caderno do Juízo:
1. Não amarrar o espírito. Nem arrostá-lo.
2. A sabedoria não vem de segurar os dons, mas de torná-los belos.
3. Ver é estar na alma.
4. A felicidade é fecunda e transmissível.
5. As demasiadas normas não deixam fluir o espírito. E acaso é o nome de quem não o conhece.
6. Deus trabalha com a legalidade.
7. Na luz, nada pesa.
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O tempo em Assombro ia e vinha, vinha e calava. Às vezes doía. Não deixava arredondar orvalho nem ciscava as lentilhas de suas horas.
Tinha um buraco no peito, como no peito, a lua.
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Perguntarão os leitores: - "Onde está Assombro, quem é Assombro? Não importa que seja uma mulher ou cidade que florescerá no milênio. Ou que eu, relator, possa ir desta língua a outra e outra, voltando a ser nômade, como Odysseus ao mar. O que importa é que tudo em nós permaneça vivo, miraculado diante da palavra e com ela, ressuscite. O maravilhoso é sempre novo, se for visto com novos olhos. E aos que descobriram uma razão no desconhecido, continuaram cada vez mais com a razão. Porém, o que percebemos da razão de Deus?
O resto é história, já pertencente à tradição, de que o tempo (inimigo, aliado?) me escolheu escriba, certo de que avança com a luz. Até a imaginação ver que tudo é de ninguém. Mesmo que testemunhos surjam depois de mim. E das gerações.
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Romance de Carlos Nejar

Minuta de Diego Mendes Sousa

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