Nos bastidores do livro O catador de palavras
Gostaria de compartilhar com vocês algumas experiências incríveis
que tive na companhia do poeta Antonio Ventura. Lembro-me de que certa vez estávamos
no Rio de Janeiro e o Ventura, após desligar o telefone, me disse que iríamos
nos encontrar com o poeta Ferreira Gullar, em sua casa. Mal pude acreditar.
Quando chegamos em Copacabana, na hora marcada, em frente ao
Edifício onde mora Gullar, um homem esbelto, cabelos bem cuidados e com uma
sacola de plástico nas mãos se aproximou. Subimos os três e ao adentrar no apartamento,
ele nos disse que tinha saído para comprar comida de gato. Sim, Ferreira Gullar
também era um homem comum, gostava de gatos; naquela manhã conversamos assuntos
incríveis e também sobre o livro do Ventura O Catador de palavras.
Outra lembrança mágica que vivi na companhia do Ventura foi quando
conheci Carlos Nejar, na Casa dos Ventos, Rio de Janeiro, com sua Elza. Um fato
curioso no nosso primeiro encontro foi que na sua casa tinham sido espalhadas
algumas esculturas de burro, o que me chamou a atenção. Surpreendentemente Nejar
nos falou que as esculturas de burro eram para lembrá-lo da humildade. Aquilo
me tocou profundamente, aquele homem tão erudito e iluminado, tinha dentro de
si a presença de Deus. Carlos Nejar prefaciou o livro do Ventura e com tamanha generosidade insistiu para que o Ventura
trocasseo título do livro de O Poeta para O Catador de palavras.
Mas isso é outra história. Falando do querido Carlos Nejar,
não posso deixar de citar o também escritor e poeta da Academia Brasileira de
Letras, Antonio Carlos Secchin, um homem tão atencioso e gentil, que se
existirem vidas passadas, com certeza ele foi um príncipe e hoje vive num lindo
apartamento, com piso de mármore e de sua sala contemplamos o mar de Copacabana,
Rio de Janeiro, quase aos pés de sua casa. Sua casa é incrível e guarda um
tesouro precioso, sua biblioteca e para os mais desavisados, algo de perder o
fôlego de tantas raridades. Secchin é um amado amigo. Ele organizou O Catador
de palavras e fez a quarta capa.
Outra visita inusitada foi em Ribeirão Preto, em uma
belíssima casa de um condomínio fechado, residência de Saulo Ramos,
recentemente falecido e que nos recebeu de forma tão elegante. Um momento peculiar
foi quando Saulo tirou da estante de seu escritório um tesouro, o picinez de Fernando
Pessoa. Quase não contive o impulso de tocá-lo, mas, reservado, apenas ofereceu
para as mãos do Ventura; naquele instante entendi que aquele ato era apenas de
poeta para poeta.
Agora falarei um pouco de cinema com Chamie. Nas nossas idas
a São Paulo, encontramo-nos algumas vezes com o saudoso Mário Chamie, homem indomável.
Foi o primeiro a ler os originais do livro O Catador de palavras, e que, numa
tarde encantada, com os olhos rasos d’água, nos levou para assistir no Espaço
Cultural Cine Unibanco, ao filme A Via Láctea, de sua filha, a cineasta Lina
Chamie; uma obra de arte que abriu naquele ano o festival de Cannes, França.
Infelizmente ele veio a falecer antes do lançamento de O
Catador de palavras, mas entregamos o livro a sua filha, que na ocasião estava
filmando o documentário “Santos, 100 Anos de Futebol Arte”, uma mulher
extremamente carinhosa, talentosa e corajosa.
Ela disse ao Ventura que já o conhecia de nome através de conversas
com seu pai, depois fez questão de nos dizer da sua paixão pelo Santos,
mostrando sua antiga carteirinha de torcedora, santista roxa, numa mesa de
corintianos...
Numa noite costumeiramente fria de São Paulo, na Avenida Paulista,
fomos encontrar um querido amigo do Ventura, Álvaro Alves de Faria, amigos
desde a época em que jovens poetas arriscavam tudo pela poesia. Nessa noite
conheci um pouco mais o Álvaro, não só o amigo de juventude do Ventura, mais o poeta
amante da língua portuguesa e com um enorme talento artístico, um jornalista
que atuava na rádio Jovem Pan, essencialmente
poeta.
Bem poderia falar aqui de tantas pessoas queridas, como Menalton
Braff, que a cada livro dele que leio fica cada vez mais difícil saber de qual
mais gosto. Não posso deixar de relatar também que certo dia, na casa do
Menalton, estávamos eu, o Ventura, a Roseli e o Menalton, conversando sobre
literatura e o Toninho, meu filho, dormia na rede da varanda. Não pude deixar
de registrar o fato com uma foto. Entre estas histórias e outras, aprendi a
gostar de literatura, esse mundo de gigantes, sempre ao lado do Ventura.
Quero compartilhar com vocês só mais uma história, a de nosso
encontro, com um pássaro-homem-menino, vestido de branco, num domingo de sol em
Ribeirão Preto. O poeta Thiago de Mello, que parece buscar as palavras exatas
com os dedos das mãos, quando conversa, bem à nossa frente, naquele momento que
parecia só nosso, falando de sua vida, da literatura, do livro O Catador de
palavras, que ele tinha lido na noite anterior. Perguntava para o Ventura, como
ele, Thiago, não o conhecia ainda e acolheu o Ventura carinhosamente na seara
dos poetas.
Mais tarde nos presenteou com um de seus livros: Borges na luz
de Borges. Durante nossa conversa, Thiago de Mello leu o poema Fruto, do
Ventura. Tive a honra de fazer a gravação daquele momento mágico.
Enfim, aprendi com Ventura que um bom livro é um banquete para
os assinalados.
Débora Ventura
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