terça-feira, 5 de novembro de 2013

Débora Ventura revela, no Jornal Enfim, sua experiência ao lado do marido poeta

Nos bastidores do livro O catador de palavras

Gostaria de compartilhar com vocês algumas experiências incríveis que tive na companhia do poeta Antonio Ventura. Lembro-me de que certa vez estávamos no Rio de Janeiro e o Ventura, após desligar o telefone, me disse que iríamos nos encontrar com o poeta Ferreira Gullar, em sua casa. Mal pude acreditar.
Quando chegamos em Copacabana, na hora marcada, em frente ao Edifício onde mora Gullar, um homem esbelto, cabelos bem cuidados e com uma sacola de plástico nas mãos se aproximou. Subimos os três e ao adentrar no apartamento, ele nos disse que tinha saído para comprar comida de gato. Sim, Ferreira Gullar também era um homem comum, gostava de gatos; naquela manhã conversamos assuntos incríveis e também sobre o livro do Ventura O Catador de palavras.

Outra lembrança mágica que vivi na companhia do Ventura foi quando conheci Carlos Nejar, na Casa dos Ventos, Rio de Janeiro, com sua Elza. Um fato curioso no nosso primeiro encontro foi que na sua casa tinham sido espalhadas algumas esculturas de burro, o que me chamou a atenção. Surpreendentemente Nejar nos falou que as esculturas de burro eram para lembrá-lo da humildade. Aquilo me tocou profundamente, aquele homem tão erudito e iluminado, tinha dentro de si a presença de Deus. Carlos Nejar prefaciou o livro do Ventura e com tamanha  generosidade insistiu para que o Ventura trocasseo título do livro de O Poeta para O Catador de palavras.

Mas isso é outra história. Falando do querido Carlos Nejar, não posso deixar de citar o também escritor e poeta da Academia Brasileira de Letras, Antonio Carlos Secchin, um homem tão atencioso e gentil, que se existirem vidas passadas, com certeza ele foi um príncipe e hoje vive num lindo apartamento, com piso de mármore e de sua sala contemplamos o mar de Copacabana, Rio de Janeiro, quase aos pés de sua casa. Sua casa é incrível e guarda um tesouro precioso, sua biblioteca e para os mais desavisados, algo de perder o fôlego de tantas raridades. Secchin é um amado amigo. Ele organizou O Catador de palavras e fez a quarta capa.

Outra visita inusitada foi em Ribeirão Preto, em uma belíssima casa de um condomínio fechado, residência de Saulo Ramos, recentemente falecido e que nos recebeu de forma tão elegante. Um momento peculiar foi quando Saulo tirou da estante de seu escritório um tesouro, o picinez de Fernando Pessoa. Quase não contive o impulso de tocá-lo, mas, reservado, apenas ofereceu para as mãos do Ventura; naquele instante entendi que aquele ato era apenas de poeta para poeta.

Agora falarei um pouco de cinema com Chamie. Nas nossas idas a São Paulo, encontramo-nos algumas vezes com o saudoso Mário Chamie, homem indomável. Foi o primeiro a ler os originais do livro O Catador de palavras, e que, numa tarde encantada, com os olhos rasos d’água, nos levou para assistir no Espaço Cultural Cine Unibanco, ao filme A Via Láctea, de sua filha, a cineasta Lina Chamie; uma obra de arte que abriu naquele ano o festival de Cannes, França.

Infelizmente ele veio a falecer antes do lançamento de O Catador de palavras, mas entregamos o livro a sua filha, que na ocasião estava filmando o documentário “Santos, 100 Anos de Futebol Arte”, uma mulher extremamente carinhosa, talentosa e corajosa.
Ela disse ao Ventura que já o conhecia de nome através de conversas com seu pai, depois fez questão de nos dizer da sua paixão pelo Santos, mostrando sua antiga carteirinha de torcedora, santista roxa, numa mesa de corintianos...

Numa noite costumeiramente fria de São Paulo, na Avenida Paulista, fomos encontrar um querido amigo do Ventura, Álvaro Alves de Faria, amigos desde a época em que jovens poetas arriscavam tudo pela poesia. Nessa noite conheci um pouco mais o Álvaro, não só o amigo de juventude do Ventura, mais o poeta amante da língua portuguesa e com um enorme talento artístico, um jornalista que atuava na rádio Jovem Pan,  essencialmente poeta.

Bem poderia falar aqui de tantas pessoas queridas, como Menalton Braff, que a cada livro dele que leio fica cada vez mais difícil saber de qual mais gosto. Não posso deixar de relatar também que certo dia, na casa do Menalton, estávamos eu, o Ventura, a Roseli e o Menalton, conversando sobre literatura e o Toninho, meu filho, dormia na rede da varanda. Não pude deixar de registrar o fato com uma foto. Entre estas histórias e outras, aprendi a gostar de literatura, esse mundo de gigantes, sempre ao lado do Ventura.

Quero compartilhar com vocês só mais uma história, a de nosso encontro, com um pássaro-homem-menino, vestido de branco, num domingo de sol em Ribeirão Preto. O poeta Thiago de Mello, que parece buscar as palavras exatas com os dedos das mãos, quando conversa, bem à nossa frente, naquele momento que parecia só nosso, falando de sua vida, da literatura, do livro O Catador de palavras, que ele tinha lido na noite anterior. Perguntava para o Ventura, como ele, Thiago, não o conhecia ainda e acolheu o Ventura carinhosamente na seara dos poetas.

Mais tarde nos presenteou com um de seus livros: Borges na luz de Borges. Durante nossa conversa, Thiago de Mello leu o poema Fruto, do Ventura. Tive a honra de fazer a gravação daquele momento mágico.

Enfim, aprendi com Ventura que um bom livro é um banquete para os assinalados.
Débora Ventura

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário ou mensagem para o autor.