sábado, 5 de janeiro de 2013

O INCOMENSURÁVEL AZUL


          – Júlia, olhe como esta tarde está bonita, esplêndida, olhe esta luminosidade, olhe o céu límpido, com este azul, ó Júlia, olhe este azul, olhe, amor.
          – Antonio, eu fiz uma pergunta a você, e você vem com este papo de azul, de tarde iluminada. Ora, isto acontece todos os dias... Então, sobre a pintura da casa, fiz esta pergunta e você nem aí. Para você está tudo azul, azul, mas nossa casa está se deteriorando e você não toma nenhuma providência. Você sabe que a casa precisa de uma pintura nova.
         Antonio e Júlia caminhavam pela mesma estrada. Dos dois lados da estrada existiam árvores verdes, de brilhantes folhas verdes que dançavam ao vento da tarde.
          – Júlia, vamos sim providenciar a pintura da casa... Mas agora, olhe este azul, esta tarde iluminada e límpida como água de fonte. O azul, Júlia, o azul.
          – Então, vamos pensar nas cores que vamos usar na casa.
          Antonio, quase automaticamente, responde:
          – Pintaremos a casa de azul, Júlia.
          –  Antonio, não aguento mais este azul. Pintaremos a casa de outras cores, menos azul.
          Para Antonio, pintar a casa de azul ou de outra cor era indiferente. O que importava naquele momento era o azul autêntico do céu que contrastava com a luminosidade da tarde, naquela estrada onde havia árvores verdes que ladeavam esta estrada, e pássaros que ainda piavam e lançavam gorjeios estridentes, sinfonia pura na tarde.
          – Ah, Júlia, amor, depois discutiremos sobre a pintura da casa, suas cores.  Agora, vamos viver este momento de azul límpido, nesta tarde, antes que a noite desça e cubra de negro todo azul. Olhe, logo virá a primeira estrela.

          – Antonio, eu já não estou aguentando mais este teu azul... Está ficando difícil caminhar nesta mesma estrada. Nesta estrada eu só vejo pedras, desertos ao redor...
          – Não, Júlia querida, a estrada é suave e ao redor não tem desertos, apenas árvores verdes e pássaros que cantam. Sem dizer do riacho que corre perto das árvores, de água fresca.
          Júlia caminhava ao lado de Antonio, quieta e contrariada. As árvores verdes que ladeavam a estrada, agora, tremiam levemente ao sabor de doce vento que soprava. De repente, um pássaro dourado saiu de alguma árvore verde e pousou no ombro de Antonio. Não era um pássaro grande, mas era um pássaro.
          – Júlia, Júlia! Fique contente, amor. Isto é um sinal. Olha o pássaro dourado que pousou em meu ombro direito. É um sinal, Júlia!
          – Antonio! Além de tarde azul obsessiva, de luminosidade esplêndida, agora você vem falar de pássaro dourado em seu ombro. Você está é ficando louco... Não vejo nenhum pássaro dourado em seu ombro, nem pássaro de outra cor...
          – Olha, Júlia, ele está cantando...
          Realmente o pássaro dourado cantou um canto que iluminou mais a tarde de luz esplêndida, mas Júlia não escutava o esplendor deste canto. No máximo ouvia o barulho do vento que balançava suavemente as árvores daquela estrada. Júlia sentia-se arrasada, e seus pés sentiam que ela pisava em pedras, difíceis para ela carregar. Ela, Júlia, que era terra. Que cheirava à terra e exalava perfume sensual de terra, que Antonio tanto gostava. Antonio era do ar, e respirava azul e luminosidade. Antonio pegou a mão de Júlia. Esta de início tentou recusar, mas logo cedeu. Estavam de mãos dadas, agora. Antonio sentiu o cheiro forte de terra, seca, terra molhada, terra cheia de relva, que exalava de Júlia. Um cheiro sensual, irresistível. Antonio disse:
          – Júlia, abraçe-me, amor.
          Antonio apertou Júlia nos braços. A tarde estava quase morrendo, mas ainda havia raios de sol iluminando a estrada. As árvores verdes continuavam balançando suas folhagens ao sabor do doce vento. E ainda restava no céu um pouco de azul que fascinava Antonio.
          – Júlia, abraçe-me, amor.
          Júlia foi cedendo ao abraço forte de Antonio, exalando irresistível cheiro de terra. Os braços de Antonio apertam o corpo de Júlia, cada vez mais forte.
          E Júlia morre, sufocada de azul.

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