– Antonio, eu fiz uma pergunta a
você, e você vem com este papo de azul, de tarde iluminada. Ora, isto acontece
todos os dias... Então, sobre a pintura da casa, fiz esta pergunta e você nem
aí. Para você está tudo azul, azul, mas nossa casa está se deteriorando e você
não toma nenhuma providência. Você sabe que a casa precisa de uma pintura nova.
Antonio e Júlia caminhavam pela mesma
estrada. Dos dois lados da estrada existiam árvores verdes, de brilhantes
folhas verdes que dançavam ao vento da tarde.
– Júlia, vamos sim providenciar a
pintura da casa... Mas agora, olhe este azul, esta tarde iluminada e límpida
como água de fonte. O azul, Júlia, o azul.
Antonio, quase automaticamente,
responde:
– Pintaremos a casa de azul, Júlia.
– Antonio, não aguento mais este azul.
Pintaremos a casa de outras cores, menos azul.
Para Antonio, pintar a casa de azul
ou de outra cor era indiferente. O que importava naquele momento era o azul
autêntico do céu que contrastava com a luminosidade da tarde, naquela estrada
onde havia árvores verdes que ladeavam esta estrada, e pássaros que ainda
piavam e lançavam gorjeios estridentes, sinfonia pura na tarde.
– Ah, Júlia, amor, depois discutiremos
sobre a pintura da casa, suas cores.
Agora, vamos viver este momento de azul límpido, nesta tarde, antes que
a noite desça e cubra de negro todo azul. Olhe, logo virá a primeira estrela.
– Antonio, eu já não estou aguentando
mais este teu azul... Está ficando difícil caminhar nesta mesma estrada. Nesta
estrada eu só vejo pedras, desertos ao redor...
– Não, Júlia querida, a estrada é
suave e ao redor não tem desertos, apenas árvores verdes e pássaros que cantam.
Sem dizer do riacho que corre perto das árvores, de água fresca.
Júlia caminhava ao lado de Antonio,
quieta e contrariada. As árvores verdes que ladeavam a estrada, agora, tremiam
levemente ao sabor de doce vento que soprava. De repente, um pássaro dourado
saiu de alguma árvore verde e pousou no ombro de Antonio. Não era um pássaro
grande, mas era um pássaro.
– Júlia, Júlia! Fique contente, amor.
Isto é um sinal. Olha o pássaro dourado que pousou em meu ombro direito. É um
sinal, Júlia!
– Antonio! Além de tarde azul obsessiva,
de luminosidade esplêndida, agora você vem falar de pássaro dourado em seu
ombro. Você está é ficando louco... Não vejo nenhum pássaro dourado em seu
ombro, nem pássaro de outra cor...
– Olha, Júlia, ele está cantando...
Realmente o pássaro dourado cantou um canto
que iluminou mais a tarde de luz esplêndida, mas Júlia não escutava o esplendor
deste canto. No máximo ouvia o barulho do vento que balançava suavemente as
árvores daquela estrada. Júlia sentia-se arrasada, e seus pés sentiam que ela
pisava em pedras, difíceis para ela carregar. Ela, Júlia, que era terra. Que
cheirava à terra e exalava perfume sensual de terra, que Antonio tanto gostava.
Antonio era do ar, e respirava azul e luminosidade. Antonio pegou a mão de Júlia.
Esta de início tentou recusar, mas logo cedeu. Estavam de mãos dadas, agora.
Antonio sentiu o cheiro forte de terra, seca, terra molhada, terra cheia de
relva, que exalava de Júlia. Um cheiro sensual, irresistível. Antonio disse:
– Júlia, abraçe-me, amor.
Antonio apertou Júlia nos braços. A
tarde estava quase morrendo, mas ainda havia raios de sol iluminando a estrada.
As árvores verdes continuavam balançando suas folhagens ao sabor do doce vento.
E ainda restava no céu um pouco de azul que fascinava Antonio.
– Júlia, abraçe-me, amor.
Júlia foi cedendo ao abraço forte de
Antonio, exalando irresistível cheiro de terra. Os braços de Antonio apertam o
corpo de Júlia, cada vez mais forte.
E Júlia morre, sufocada de azul.
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