Ilustração: Antonio Ventura |
Estou descendo a rua da Consolação (que não
consola ninguém) com uma revista "O BONDINHO" debaixo do braço, as
mãos no bolso. São sete horas da noite, um pouco fria. Estou muito bonito,
cabelos compridos, barba crescida, de toda cor, pisando a calçada dura. Meus
olhos comuns, que já viram coisas, olhando essa multidão sofrida,
desencontrada. Os automóveis passam por cima da solidão humana. Na praça
Rooselvet, compro um botão de rosa vermelha por cinqüenta centavos, numa
barraquinha onde se vendem flores. Mas no meio da rua já percebo que uma rosa é
realmente frágil diante do grito timpânico da cidade. Com um botãozinho bobo de
rosa em minhas mãos eu desço pelas ruas e vou assistir a um filme de Luiz
Bunuel: O Estranho Caminho de São Tiago, A Via Láctea. Sento na
poltrona e então o filme começa a falar do homem que traiu o cristianismo,
porque se esqueceu de ser simples, de se olhar nos olhos. Através de um
simbolismo mágico, ali está o mundo numa síntese lúcida e diabólica, uma lição
para aqueles que ainda querem marchar pelos caminhos da opressão. Nietzche
disse que Deus está morto, Buñuel confirma isto, genialmente. Porque é absurdo
concebermos um Deus dogmático e nascido apenas para uma classe de eleitos. Os
dois vagabundos me lembraram as pessoas solitárias que passam por mim
diariamente, me lembraram as prostitutazinhas da rua Augusta, me lembraram os
bairros pobres de minha cidade de Ribeirão Preto, com suas misérias e suas
quermessinhas, com serviço de alto-falante. Saio do cinema e vou andando no
meio do povo na avenida São João. A cidade está iluminada, as coisas brilham
muito, parece dia. E entre esse grande barulho, entre as pessoas que não têm
tempo nem de terem saudade de si mesmas, me dá de repente uma alegria infantil
e a certeza absoluta de que Deus habita meu corpo, habita em São Paulo , habita na
avenida e em toda parte.
Triste e bonito!
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Abraços!
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